Dois pratos que surgiram na época dos czares da Rússia hoje
estão no prato feito dos brasileiros: o estrogonofe e a salada Olivier (também
chamada salada russa ou maionese).
As duas receitas foram criadas para aristocratas russos por
chefs que usavam técnicas francesas, o que mostra a aproximação da Rússia com a
cultura da França, sempre associada à sofisticação. Porém, os pratos mantiveram
a essência russa na escolha os ingredientes. A gastronomia russa também recebeu
influências dos países nórdicos e asiáticos.
“A cozinha russa incorporou métodos de cozimento, que os
franceses praticavam, por exemplo. Houve um esforço de aproximação com o
Ocidente, o que não significa necessariamente que a gastronomia russa se
descaracterizou. Ela pode ser sofisticada quanto aos sabores e ter até um certo
exotismo para nós, brasileiros”, conta o professor de história da gastronomia
do Centro Universitário Senac, Sandro Dias.
Estrogonofe
“O estrogonofe é uma espécie de picadinho russo, com sotaque
francês”, brinca o professor.
A versão mais conhecida para o surgimento do estrogonofe foi
imortalizada pela famosa revista francesa “L´Art Culinaire”, em 1891. O prato
teria surgido na casa do conde Pavel Stroganoff, por causa de um imprevisto:
ele iria receber mais visitas do que o previsto e orientou o chef francês
Charles Briere, que trabalhava para ele, a cortar a carne para que ela rendesse
mais.
Mais tarde, outro chefe francês incorporou ingredientes como
champignon e páprica picante.
O tomate, que não entrava na versão original, passou a ser
incorporado com o tempo em algumas regiões da Rússia.
Tradição do exército
No entanto, Sandro Dias explica que a origem do prato pode
remeter à maneira como o exército russo conservava a carne ainda no século 16.
“As carnes ficavam em barris, cortadas em tiras, salgada e,
às vezes, eram até conservadas com uma espécie de aguardente. O consumo já
naquela época poderia ser feito com a smetana – uma espécie de creme azedo –
que os russos tanto gostam e costumam misturar a vários pratos”, explica Dias.
Como é comum na gastronomia, as histórias das origens dos
pratos frequentemente são múltiplas. “É muito possível que um prato como o
estrogonofe tenha sofrido um processo que culminou na configuração que nós
conhecemos hoje”, observa.
Salada Russa
Outro prato que teve origem aristocrática foi a salada
Oliver, também conhecida no Brasil como salada russa ou maionese. Em meados de
1860, o chef belga Lucien Olivier, influenciado pelas tradicionais técnicas
francesas, fazia banquetes para a aristocracia russa.
Ele criou uma versão da salada com uma série de produtos que
eram considerados nobres para a época, como caviar negro, alcaparra, lagostim,
língua de boi, frango, perdiz, além de outras carnes de caça – que na época
eram proibidas para camponeses.
Os ingredientes nobres eram misturados com uma emulsão de
azeite, mostarda e especiarias criada na França, a maionese.
“A salada Olivier faz convergir as carnes de caça – que na
época das monarquias absolutistas eram proibidas para os campesinos – e também
as hortaliças e legumes, que são característicos da alimentação camponesa”,
explica Dias.
Olivier fez segredo sobre a receita, mas, segundo o chef
Potiguara Spíndola, também professor do Senac, um de seus auxiliares vai fazer
com que a receita chegue até os jornais e revistas da época. “Com a queda do
império russo e as crises enfrentadas pelo país, pouco a pouco, os ingredientes
nobres são substituídos pelos legumes”, observa.
Após a Revolução Russa, uma versão simplificada, com
cenoura, ervilha enlatada, maionese industrializada e frango se torna comum no
país e vira uma salada fundamental por lá.
“Ela se torna tão importante para a culinária russa que até
hoje é servida no ano novo”, conta Dias.
Expansão internacional e chegada ao Brasil
Com o intercâmbio com as revistas francesas de culinária,
essas receitas começam a circular na Europa, virando uma espécie de marca da
culinária russa.
Dias explica que, depois da 2ª Guerra Mundial, restaurantes
russos começaram a ser abertos em Nova York e os dois pratos começaram a se
popularizar em território americano.
É difícil traçar uma rota da expansão do estrogonofe e da
salada Olivier, mas, de acordo com Dias, é muito provável que a chegada desses
pratos ao Brasil tenha acontecido na mesma época.
À receita da salada Olivier, o brasileiro incorpora maçã e
abacaxi, frutas facilmente encontradas num país tropical.
No Brasil, o estrogonofe veio para ficar, depois do auge
como prato “refinado” nos anos 60 e 70, ele se torna um prato popular a partir
da década de 1980.
Para Dias, as contribuições brasileiras para a receita do
estrogonofe estariam na substituição da carne de boi “por frango ou outras
consideradas ‘exóticas’, como o avestruz, o pato e a galinha d’angola”. O
professor lembra ainda que, recentemente, surgiu uma versão vegana para o
prato, que vem ganhando adeptos.
Enquanto na Rússia o estrogonofe é servido geralmente
acompanhado de batata cozida ou purê, no Brasil, ele vai ser servido com arroz,
batata frita e, eventualmente, o ketchup no molho.
Mas essas alterações na maneira de servir (e na receita)
podem ser consideradas contribuições tipicamente brasileiras? Dias afirma que
não.
“Servir o prato com batata frita é uma tendência que já
estava presente na França e nos Estados Unidos”, observa o professor.
Tampouco o arroz pode ser considerado brasileiro. “O arroz
na preparação também pode ser uma contribuição asiática”, lembrando sempre que
a Rússia possui território nos continentes europeu e asiático.
Finalmente, o que explicaria a adição do ketchup ao molho,
comum no Brasil, que em princípio teria o creme de leite e o creme azedo? “À
expansão da indústria alimentar americana, que também contribuiu para a
popularização da Salada Olivier”, afirma Dias.
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