quarta-feira, 27 de junho de 2018

Pratos russos famosos


Dois pratos que surgiram na época dos czares da Rússia hoje estão no prato feito dos brasileiros: o estrogonofe e a salada Olivier (também chamada salada russa ou maionese).

As duas receitas foram criadas para aristocratas russos por chefs que usavam técnicas francesas, o que mostra a aproximação da Rússia com a cultura da França, sempre associada à sofisticação. Porém, os pratos mantiveram a essência russa na escolha os ingredientes. A gastronomia russa também recebeu influências dos países nórdicos e asiáticos.

“A cozinha russa incorporou métodos de cozimento, que os franceses praticavam, por exemplo. Houve um esforço de aproximação com o Ocidente, o que não significa necessariamente que a gastronomia russa se descaracterizou. Ela pode ser sofisticada quanto aos sabores e ter até um certo exotismo para nós, brasileiros”, conta o professor de história da gastronomia do Centro Universitário Senac, Sandro Dias.

Estrogonofe

“O estrogonofe é uma espécie de picadinho russo, com sotaque francês”, brinca o professor.
A versão mais conhecida para o surgimento do estrogonofe foi imortalizada pela famosa revista francesa “L´Art Culinaire”, em 1891. O prato teria surgido na casa do conde Pavel Stroganoff, por causa de um imprevisto: ele iria receber mais visitas do que o previsto e orientou o chef francês Charles Briere, que trabalhava para ele, a cortar a carne para que ela rendesse mais.
Mais tarde, outro chefe francês incorporou ingredientes como champignon e páprica picante.

O tomate, que não entrava na versão original, passou a ser incorporado com o tempo em algumas regiões da Rússia.

Tradição do exército
No entanto, Sandro Dias explica que a origem do prato pode remeter à maneira como o exército russo conservava a carne ainda no século 16.

“As carnes ficavam em barris, cortadas em tiras, salgada e, às vezes, eram até conservadas com uma espécie de aguardente. O consumo já naquela época poderia ser feito com a smetana – uma espécie de creme azedo – que os russos tanto gostam e costumam misturar a vários pratos”, explica Dias.

Como é comum na gastronomia, as histórias das origens dos pratos frequentemente são múltiplas. “É muito possível que um prato como o estrogonofe tenha sofrido um processo que culminou na configuração que nós conhecemos hoje”, observa.

Salada Russa
Outro prato que teve origem aristocrática foi a salada Oliver, também conhecida no Brasil como salada russa ou maionese. Em meados de 1860, o chef belga Lucien Olivier, influenciado pelas tradicionais técnicas francesas, fazia banquetes para a aristocracia russa.
Ele criou uma versão da salada com uma série de produtos que eram considerados nobres para a época, como caviar negro, alcaparra, lagostim, língua de boi, frango, perdiz, além de outras carnes de caça – que na época eram proibidas para camponeses.
Os ingredientes nobres eram misturados com uma emulsão de azeite, mostarda e especiarias criada na França, a maionese.

“A salada Olivier faz convergir as carnes de caça – que na época das monarquias absolutistas eram proibidas para os campesinos – e também as hortaliças e legumes, que são característicos da alimentação camponesa”, explica Dias.

Olivier fez segredo sobre a receita, mas, segundo o chef Potiguara Spíndola, também professor do Senac, um de seus auxiliares vai fazer com que a receita chegue até os jornais e revistas da época. “Com a queda do império russo e as crises enfrentadas pelo país, pouco a pouco, os ingredientes nobres são substituídos pelos legumes”, observa.
Após a Revolução Russa, uma versão simplificada, com cenoura, ervilha enlatada, maionese industrializada e frango se torna comum no país e vira uma salada fundamental por lá.

“Ela se torna tão importante para a culinária russa que até hoje é servida no ano novo”, conta Dias.

Expansão internacional e chegada ao Brasil
Com o intercâmbio com as revistas francesas de culinária, essas receitas começam a circular na Europa, virando uma espécie de marca da culinária russa.

Dias explica que, depois da 2ª Guerra Mundial, restaurantes russos começaram a ser abertos em Nova York e os dois pratos começaram a se popularizar em território americano.
É difícil traçar uma rota da expansão do estrogonofe e da salada Olivier, mas, de acordo com Dias, é muito provável que a chegada desses pratos ao Brasil tenha acontecido na mesma época.

À receita da salada Olivier, o brasileiro incorpora maçã e abacaxi, frutas facilmente encontradas num país tropical.

No Brasil, o estrogonofe veio para ficar, depois do auge como prato “refinado” nos anos 60 e 70, ele se torna um prato popular a partir da década de 1980.

Para Dias, as contribuições brasileiras para a receita do estrogonofe estariam na substituição da carne de boi “por frango ou outras consideradas ‘exóticas’, como o avestruz, o pato e a galinha d’angola”. O professor lembra ainda que, recentemente, surgiu uma versão vegana para o prato, que vem ganhando adeptos.

Enquanto na Rússia o estrogonofe é servido geralmente acompanhado de batata cozida ou purê, no Brasil, ele vai ser servido com arroz, batata frita e, eventualmente, o ketchup no molho.

Mas essas alterações na maneira de servir (e na receita) podem ser consideradas contribuições tipicamente brasileiras? Dias afirma que não.

“Servir o prato com batata frita é uma tendência que já estava presente na França e nos Estados Unidos”, observa o professor.

Tampouco o arroz pode ser considerado brasileiro. “O arroz na preparação também pode ser uma contribuição asiática”, lembrando sempre que a Rússia possui território nos continentes europeu e asiático.

Finalmente, o que explicaria a adição do ketchup ao molho, comum no Brasil, que em princípio teria o creme de leite e o creme azedo? “À expansão da indústria alimentar americana, que também contribuiu para a popularização da Salada Olivier”, afirma Dias.

Na Rússia, o estrogonofe é comumente servido com purê de batata (Foto: Celso Tavares/G1)


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