Em
1938, Orson Welles provocou pânico nos Estados Unidos com a transmissão
radiofônica de sua dramatização de “A guerra dos mundos”, do escritor britânico
H.G.Wells, que conta a invasão da Terra por marcianos. Cem anos depois, são os
humanos que pretendem “invadir” Marte , com planos de uma primeira missão
tripulada para o planeta vermelho na década de 2030. Mas transformar ficção em
realidade será uma tarefa difícil, um salto gigantesco muito maior e mais
complexo do que o que levou o astronauta americano Neil Armstrong a dar seu
“pequeno passo” na Lua 50 anos atrás, na missão Apollo 11 .
Desafio
que começa com a distância. Se a Lua, a cerca de 400 mil quilômetros, parecia
impossível de alcançar, Marte, que no ponto de maior aproximação da Terra chega
a 54,6 milhões de quilômetros, é um destino no mínimo 136 vezes mais longínquo,
o que vai demandar não só foguetes bem mais poderosos como naves maiores, mais
avançadas e blindadas para proteger os astronautas no longo caminho até lá.
—
O primeiro desafio é a massa. A carga que teremos que lançar para lá é muito
grande — diz o físico Luiz Alberto Oliveira, curador do Museu do Amanhã, que
desde março e até outubro promove o ciclo de palestras “Hackeando Marte”, uma
discussão dos obstáculos e alternativas para os humanos chegarem e viverem no
planeta vermelho. — Para lançar uma nave com pessoas, suprimentos, combustível
e tudo mais vamos precisar de foguetes superpoderosos, muito maiores do que os
que temos hoje.
Ida
em etapas
Assim,
é provável que todo processo seja feito por etapas, com missões em série que
primeiro levarão equipamentos e suprimentos para a órbita e a superfície de
Marte e só depois enviar os astronautas. Procedimento similar ao que será
usado, e testado, com o projeto Ártemis , que pretende colocar pessoas, entre
elas a primeira mulher, na Lua em 2024, com a construção, inicialmente, de uma
estação orbital e, depois, de uma base no Polo Sul lunar.
Mas
a grande distância traz outros obstáculos. O fato de Marte percorrer sua
própria órbita em torno do Sol (diferentemente da Lua, que “acompanha” a Terra)
restringe as chamadas “janelas de lançamento”, os períodos em que as posições
relativas de nosso planeta e o planeta vermelho permitem uma viagem mais
eficiente em termos de energia e tempo – e assim necessitando de menos
combustível e suprimentos, ou seja, massa.
—
Ao proporcionar viagens mais curtas, estas janelas de oportunidade também
ajudam a reduzir outro problema: a exposição dos astronautas à radiação solar
no espaço, que no acumulado de meses pode ter efeitos sérios de saúde, como o
câncer, e, em última instância, matá-los por envenenamento radioativo — destaca
Oliveira. — São várias as propostas para enfrentar isso, mas em todas, quanto
maior a proteção, maior o peso, a massa da nave, e aí voltamos ao primeiro
desafio, do tamanho dos foguetes lançadores.
CAMINHO
PARA MARTE
São
duas as principais opções para uma missão tripulada de ida e volta, uma mais
longa e outra mais curta. Ambas, no entanto, dependem de Marte e a Terra
estarem em posições relativas específicas nas suas órbitas em torno do Sol, num
alinhamento que abre as chamadas “janelas de lançamento”
MISSÃO
LONGA
A
viagem mais eficiente em termos de energia, e portanto a que precisa de menos
combustível e/ou foguetes não tão poderosos, emprega uma trajetória conhecida
como “órbita de transferência de Hohmann”
Ida
Em
forma de elipse, ela tem o Sol em um de seus focos e Terra e Marte em posições
orbitais opostas na órbita na partida daqui e chegada lá. Sua utilização
permite viagens de 120 a 270 dias para ida e volta cada
Volta
Permanência
obrigatória de 400 a 600 dias no planeta, usando “janelas de lançamento” que se
repetem aproximadamente a cada 780 dias, o chamado “período sinótico” de Terra
e Marte
MISSÃO
CURTA
Com
foguetes mais poderosos, menores limitações de gastos de combustível e
permitindo velocidades maiores, além de eventuais envios prévios de
equipamentos e suprimentos para a órbita dos dois planetas e a superfície marciana,
é possível traçar rotas mais diretas e reduzir o tempo total da missão para
menos de 245 dias
Ida
e volta
Neste
caso, chegada e partida de Marte se dariam quando o planeta estivesse em
conjunção com a Terra, isto é, na maior aproximação do nosso
A
viagem de ida levaria 120 dias, com os astronautas passando duas semanas em
Marte e retornando à Terra em mais 75 dias
Mais
desafios na superfície
E
mesmo vencidas estas dificuldades, restam muitas outras a superar. A começar
pelo pouso. Diferentemente da Lua, que não tem atmosfera, Marte tem uma. Embora
muito tênue — cerca de 1% da densidade da atmosfera da Terra —, ela exercerá
pressões aerodinâmicas na nave, exigindo alterações, ou mesmo um desenho
completamente diferente, dos sistemas que serão usados e testados no programa
Ártemis.
—
E Marte ainda é um ambiente extremamente agreste, uma combinação de Antártica,
Deserto de Gobi e Himalaia: muito frio, muito seco, muito poeirento e de baixa
pressão atmosférica, com o agravante de também não ter um campo magnético
global protetor como o da Terra, o que mantém a exposição à radiação solar como
um problema — lembra Oliveira. — Sem a proteção de trajes especiais e habitats
artificiais, não há como sobreviver lá, então teremos que levar ou tudo pronto
daqui ou construir a infraestrutura com os recursos de lá.
No
primeiro caso, mais uma vez as limitações de massa serão um obstáculo, o que
faz do projeto Ártemis de volta à Lua um importante ensaio da viagem a Marte.
—
Uma das primeiras ideias era usar partes do veículo lançador, ou a própria
nave, para isso, mas aí teríamos novamente uma massa, e tamanho, limitados —
destaca Oliveira. — Mas se construirmos a base com recursos de lá, como, por
exemplo, fazendo uma argamassa com a poeira do solo, podemos ter estruturas muito
maiores e mais protegidas.
Sem
água, nada feito
Por
fim, outro recurso que será fundamental obter em Marte — e na Lua — para
sustentar a presença humana é água. Não só para beber, mas também para separar
em hidrogênio e oxigênio que servirão de combustível para as viagens de volta
e, no caso do segundo, para respirar.
—
É essencial que haja água utilizável nos locais escolhidos para descida tanto
na Lua quanto em Marte — conclui Oliveira. — Só assim poderemos levar um
pedacinho da Terra, de nosso bioma, para lá. Se quisermos deixar de ser apenas
terráqueos e viver em outros mundos, não seremos apenas nós, os humanos, que
teremos que nos adaptar. Vamos precisar cultivar alimentos e desenvolver
tecnologias que nos permitirão não só sobreviver lá como reformar nosso modo de
viver na Terra. Com as mudanças climáticas e outros tantos problemas de nosso
mundo agora, de certa forma Marte também é aqui.
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