Três
bandeiras compõem a pintura do capacete de Aurélia Nobels, 15. À direita, estão
as cores da Bélgica, país de origem de seus pais. À esquerda, a flâmula dos
Estados Unidos representa o lugar em que ela nasceu. No centro, o verde e o
amarelo homenageiam a nação do ídolo Ayrton Senna e pela qual a pilota deseja
ser reconhecida.
A
jovem integra o grid da recém-criada F4 Brasil, sendo a única mulher a competir
no campeonato de base que soma pontos para a superlicença, necessária para se
chegar à F1.
Também
é uma das 12 meninas selecionadas para o programa Girls On Track, promovido
anualmente pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo) desde 2020 para
estimular a participação de mulheres no automobilismo.
A
melhor competidora após uma série de atividades, como treinamento físico e
mental, gerenciamento de pneus, "media training", experiências em
simulador e na pista, ganhará uma vaga na Ferrari Driver Academy, que prepara
pilotos visando a F1. O programa começou na semana passada, no circuito de Paul
Ricard, na França, e a vencedora será conhecida em novembro.
"Esse
programa está tentando nos ajudar a ir para a F1. Dá para ver que eles estão
tentando fazer a categoria ter uma mulher, e eu realmente espero que possa ser
uma delas", afirma Aurélia à Folha. "É muito triste [não ter
referências], mas eu sei que tem muitas mulheres batalhando por isso."
Aurélia
compartilha o sonho de seu pai, Kevin. Fã de Ayrton Senna, foi ele quem
apresentou a história do tricampeão para a filha e o responsável por despertar
o desejo dela de se tornar uma pilota.
"Obviamente,
a gente não vê muitas mulheres, então meu pai ficou surpreso [quando disse que
queria correr], mas ficou muito feliz", diz a jovem.
Apesar
da pouca idade, Aurélia demonstra ter consciência do que pode representar para
uma geração que sonha em dar fim ao hiato de 30 anos sem uma mulher na
principal categoria do automobilismo mundial.
"Sempre
falo que eu estou muito feliz por representar as mulheres neste esporte e
espero inspirar outras meninas", afirma a garota, que tem mais de 20 mil
seguidores nas redes sociais.
A
última mulher que correu na F1 foi a italiana Giovanna Amati, em 1992, quando
ela tentou, mas não conseguiu se classificar para as três provas que faria pela
hoje extinta equipe Brabham. Naquela época, nem todos se classificavam para os
GPs, que tinham treinos para definir os 26 que correriam no domingo.
Em
2019, durante entrevista à Folha, Giovanna falou sobre o comportamento machista
dos demais pilotos durante a sua curta passagem. Segundo ela, Senna era o único
que a respeitava. "Os outros não me viam como competidora."
Aurélia
diz que já passou por situações semelhantes. "Nas duas primeiras etapas,
em Velocitta, eu estava muito rápida, mas me tiraram da corrida [envolveu-se em
acidentes]. Eu não sei se foi de propósito porque sou mulher ou se foi sem
querer, mas foi muito chato porque me tiraram a chance de marcar pontos."
Atualmente,
com somente um ponto somado, ela está na última colocação da F4 Brasil, que
conta com 16 pilotos. Lucca Zucchini, o 15º, tem 15. Pedro Clerot (177), Lucas
Staico (101) e Vinícius Tessaro (74) são os três primeiros colocados.
Aurélia
sofre, ainda, com a falta de referências no automobilismo. Sem modelos
femininos, ela passou a torcer por nomes como o inglês heptacampeão Lewis
Hamilton, da Mercedes, e o monegasco Charles Leclerc, da Ferrari. Nenhum dos
dois, porém, supera a idolatria por Senna.
"Já
vi muitas entrevistas dele [Senna]. E tudo o que ele falava sobre determinação
era tão real que isso me dá mais vontade de trabalhar duro", diz a jovem.
Em
grande parte, é por causa dele que, mesmo sem ter parentes brasileiros, ela
decidiu que representará o Brasil nas pistas. Embora esteja inscrita no
programa da FIA como uma pilota belga, ela também tem uma licença brasileira e
já fez sua escolha para o futuro.
"Eu
me considero brasileira. Moro há 12 anos aqui, gosto muito de representar o
Brasil. Eu sempre falo que represento mais o Brasil do que os Estados Unidos ou
a Bélgica", afirma. "Minha família sabe que sempre morei aqui, gosto
muito do carinho das pessoas, de tudo. Então, eles entendem. E, assim, é minha
decisão", garante.
Nascida
em Boston, ela se mudou para o Brasil quando tinha apenas três anos. Mesmo
antes ela já crescia em uma casa repleta de referências a Ayrton Senna.
"Meu pai tem muitas coisas do Senna. Tem um capacete, várias revistas, uma
bandeira do Brasil. Cresci vendo tudo isso."
Em
breve, ela espera obter o passaporte brasileiro. Enquanto isso, vai construindo
sua trajetória nas pistas e derrubando preconceitos.
"Quando
você baixa a viseira, não tem diferença se é menino ou menina", finaliza