Com as regras mais
rígidas do Financiamento Estudantil (Fies) a partir desta segunda-feira, os
alunos que não conseguirem financiar a graduação pelo programa federal terão
que recorrer a alternativas privadas com prazos mais curtos e, na maioria das vezes,
juros mais pesados. Na linha de crédito mais disseminada no mercado, o valor
total pago pelo estudante é 15% superior e deve ser quitado em dez anos, oito
menos que no Fies. Com a perspectiva de redução nas matrículas, já há
universidades dispostas a pagar os juros pelo aluno. As instituições pretendem
lançar nos próximos meses programa similar ao Fies, com taxas mais suaves que
as dos bancos — embora mais altas que as do governo.
A principal novidade das
regras mais rígidas para concessão do Fies é a exigência de que o aluno tenha
nota mínima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sendo que a
redação não pode ser zerada. Até então, mesmo estudantes que obtinham zero no
Enem conseguiam financiamento no Fies.
‘PAGAR
JURO É MELHOR QUE PERDER ALUNO’
A nova regra deve tornar
inacessível o Fies a milhões de alunos. Segundo dados da Hoper Consultancy
citados em relatório do Banco Votorantim, 26% dos 4,2 milhões de candidatos do
Enem de 2012 ficaram abaixo dos 450 pontos. O percentual sobe para 37% na
Região Norte e para 32% no Nordeste. A mudança afetará o caixa das
universidades privadas, uma vez que cerca de um terço dos estudantes de
graduação são financiados pelo Fies. Desde que foi ampliado, em 2010, o
programa já concedeu 1,9 milhão de financiamentos, desembolsando R$ 28,4
bilhões — mais que o orçamento anual do Bolsa Família.
— O potencial de crescimento
das matrículas será reduzido — disse Guilherme Moura Brasil, analista de
Educação do Banco Fator. — Mas as alterações no Fies são positivas, pois vão no
sentido de dar mais sustentabilidade ao programa e incentivar maior qualidade
no ensino. O problema foi a forma como foi comunicada, sem consulta prévia ou
negociação — disse, repetindo a reclamação das faculdades, o que motivou ações
na Justiça.
Com juros considerados
simbólicos (3,4% ao ano), prazos de quase duas décadas para amortização e
níveis baixos de recusa, o Fies praticamente inviabilizou o desenvolvimento do
financiamento universitário privado. Segundo especialistas, as linhas privadas
de peso são a da Ideal Invest e o Crédito Universitário Bradesco.
A Ideal Invest, que gere a
linha de crédito PraValer, fechou nas últimas semanas acordo com diversas
faculdades, incluindo as cariocas Estácio, Veiga de Almeida (UVA) e Castelo
Branco. A Ânima, com atuação em São Paulo e Minas Gerais, e a Ser Educacional,
forte no Norte e no Nordeste, anunciaram linhas de crédito de R$ 1 bilhão,
cada. Estácio e Ânima pagam os juros totais pelos alunos, enquanto a Ser pagará
a diferença entre o juro privado e os 3,4% do Fies.
Desde que foi criada, em
2006, a IdealInvest já havia financiado 50 mil alunos, em um total de R$ 1
bilhão. Seu plano era repetir o valor nos próximos três anos, mas, com o Fies
mais restrito, a meta agora é fazer mais R$ 3 bilhões no período.
— Com as mudanças, as
faculdades buscam soluções — disse Carlos Furlan, sócio e diretor-executivo da
Ideal Invest, fundada por ex-funcionários do antigo Banco Garantia, fundado por
Jorge Paulo Lemann.
Se houver falência da
faculdade — situação que deixou alunos em apuros em casos como o da Gama Filho
—, a empresa diz que se compromete a realocar o estudante em outra instituição
com condição de pagamento similar ou melhor.
Mas a alternativa privada tem
juros bem mais altos que o do Fies. No caso de um curso com quatro anos de
duração e mensalidade de R$ 750, no PraValer, com juros parcialmente
subsidiados pela faculdade, o prazo de amortização é oito anos mais curto e o
custo, 15% maior. A simulação sobre o Fies foi feita no site da Caixa Econômica
Federal, para um universitário sem bolsa de estudos de ProUni e que busca
financiar 100% do valor do curso. Já a simulação do PraValer foi feita pela
Ideal Invest, responsável pela linha de crédito.
Pelo Fies, o aluno só
começaria a quitar o financiamento, em parcelas mensais de R$ 311,29, a partir
de julho de 2020. Até lá, seriam cobradas dele parcelas de R$ 50 a cada três
meses. O financiamento teria até junho de 2033 para ser amortizado, a um custo
total de R$ 49.573,48 — dos quais R$ 36 mil são o valor da graduação e R$
13.573,48, os juros.
No Fies, incide taxa de juros
de 3,4% ao ano. No PraValer, mesmo com juros parcialmente subsidiados pela
universidade, a taxa média anual é de 17,45% ao ano. A amortização começa no
início do curso, em parcelas equivalentes à metade do valor integral da
mensalidade — nesse caso, R$ 375. O prazo para quitar o financiamento é de dez
anos, incluindo os quatro anos da graduação. As parcelas sofrem aumento
progressivo, até atingirem R$ 488 no fim do período. O valor total pago pelo
estudante seria de R$ 57.113,92, dos quais R$ 21.113,92 são juros.
Em casos como o da Estácio,
que paga os juros do aluno, o mesmo curso com mensalidade de R$ 750 custaria ao
aluno R$ 39 mil ao fim da amortização — contra cerca de R$ 50 mil do Fies. Mas
o prazo é de oito anos, em vez dos 18 do programa federal e dos dez anos do
PraValer com juros parcialmente subsidiados.
— Se a gente está pagando os
juros pelo aluno, a faculdade vai ganhar menos. Mas isso é melhor do que perder
o aluno. O negócio de educação tem muito a ganhar com escala — disse o diretor
comercial da Estácio, George Neiva.
UM NOVO
FIES COM CAPITAL PRIVADO
Segundo especialistas, o
índice de aprovação do crédito é muito elevado no Fies, que impõe como condição
renda familiar mensal bruta de, no máximo, 20 salários mínimos. Já no PraValer,
a taxa de aprovação é de um terço, segundo Furlan. O aluno tem que comprovar
renda mínima de duas vezes o valor da mensalidade.
O Santander, que acaba de
lançar um seguro que paga a mensalidade do aluno em caso de perda do emprego,
avalia a possibilidade de lançar linha de crédito, mas vê o cenário com
cautela.
As faculdades preparam um
fundo similar ao Fies, com capital privado, com lançamento até o fim de maio. O
projeto prevê a criação de um fundo de provisionamento para cobrir a
inadimplência.
— Estamos procurando as
federações de bancos e da indústria para participar desse financiamento, mas o
estágio ainda é de negociação. O juro não poderá ser de 3,4% ao ano porque é
impossível competir com isso. Mas não pode ser alto demais — contou Elizabeth
Guedes, da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior
(Abraes), que reúne os principais grupos educacionais do país.
A estudante de engenharia da
UVA Karen Kiarelli de Rezende diz que, sem o Fies, teria dificuldade de bancar
os R$ 1.700 mensais e aproveitar as aulas. Karen avalia que poucos estudantes
podem recorrer ao setor privado para concluir o curso.
— Faço estágio. Se não
tivesse o financiamento, teria que arrumar um trabalho com carga horária de
oito horas, o que comprometeria meu rendimento.
COMPARE
Fies
Simulação: Cálculo para um
curso de quatro anos, com mensalidade de R$ 750. O valor total do financiamento
é de R$ 36 mil
Taxa de juros: 3,4% ao ano
Prazo para pagar: 18 anos
Início da amortização: 18
meses após a conclusão do curso
Mensalidade: R$ 311,29
Valor final pago: R$ 49.573
Valor pago em juros: R$
13.573 (27% do total)
PraValer
com juros parcialmente subsidiados
Taxa de juros média: 17,45%
ao ano
Prazo para pagar: Dez anos
Início da amortização: Hoje
Mensalidade: R$ 375 no início
a R$ 488 no fim
Valor final pago: R$ 57.113
Valor pago em juros: R$
21.113 (37% do total)
PraValer
com juro 0%
Taxa de juros média: 0%
(incide apenas inflação)
Prazo para pagar: Oito anos
Início da amortização: Hoje
Mensalidade: R$ 375 (mínimo)
Valor final pago: R$ 39 mil
fontes: Site da Caixa, Ideal
Invest e Estácio de Sá
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