Depois de encarar nove horas de canoa Floresta Amazônica adentro,
dezenas de pessoas de várias partes do mundRIO
- Depois de encarar nove horas de canoa Floresta Amazônica adentro, dezenas de
pessoas de várias partes do mundo dançam dentro de um shiru (uma grande tenda),
de mãos dadas com indígenas da etnia yawanawá. A cena é parte do 16º Festival
Yawá, que anualmente e durante uma semana apresenta a cultura e os rituais
daquela aldeia, situada no alto Rio Gregório, no município de Tarauacá, no
Acre. Em dado momento, surge uma mulher com um gigantesco cocar branco, que lhe
desce pela cabeça, acompanhando a silhueta do corpo. E ela subverte a
tradicional dança de roda indígena.
o dançam dentro de
um shiru (uma
grande tenda), de mãos dadas com indígenas da etnia yawanawá. A cena é parte do
16º Festival Yawá, que anualmente e durante uma semana apresenta a cultura e os
rituais daquela aldeia, situada no alto Rio Gregório, no município de Tarauacá,
no Acre. Em dado momento, surge uma mulher com um gigantesco cocar branco, que
lhe desce pela cabeça, acompanhando a silhueta do corpo. E ela subverte a
tradicional dança de roda indígena.
Putanny Yawanawá, de 40
anos, parece mesmo ter vindo ao mundo para romper barreiras. É a primeira
mulher yawanawá a se tornar pajé (sua irmã Hushahu veio em seguida). Para ser
líder espiritual de seu povo, teve que enfrentar o preconceito dos homens, o
receio das mulheres e encarar, durante um ano, uma dieta tão rigorosa que a fez
perder mais de 20 quilos. Vem a ser a prova dos nove feita por aqueles que
desejam se aprofundar nos conhecimentos e sabedorias ancestrais da
espiritualidade.
“Infelizmente, os homens
indígenas são muito machistas e nenhuma mulher tinha ousado pisar nesse
terreiro sagrado. Mas eu e minha irmã sentimos o chamado e quebramos uma
tradição. Foi uma luta, fomos repudiadas e desacreditadas na aldeia ”
PUTANNY YAWANAWÁ
Sobre sua iniciação,
entre 2003 e 2004
Foram 12 meses de
isolamento no meio da floresta e de alimentação restrita a pequenas quantidades
de caiçuma, bebida alcoólica à base de mandioca, pequenos peixes e banana
verde. Sem doce, sexo, contato com os filhos (na época, ela tinha dois, hoje,
tem quatro) ou com o companheiro (o cacique Biraci Brasil, que a chama de
“professora”). Mas com muita medicina da floresta, como uni (ayahuasca), rapé,
saliva da jiboia e veneno de sapo — até então também usados apenas pelos homens
dali.
— Por sermos mulheres
tivemos uma preparação ainda mais rigorosa, como se tivéssemos que provar duas
vezes mais que éramos capazes — lembra. — Meu pai, que na época era o cacique,
dizia que não podíamos voltar atrás, se não envergonharíamos o nosso povo e
traríamos uma maldição. As pessoas na aldeia tinham a certeza de que não
suportaríamos, pensavam que íamos desistir. Mas a gente passou por todas as
provas.
Pelas mãos do pajé Tatá,
seu antecessor, Putanny se aprofundou nos saberes de seu povo. Foi na
espiritualidade e na força da mulher que ela viu um caminho para manter sua
cultura viva e pulsante.
Na volta da dieta e
junto com o marido — seu incentivador e grande responsável pelo resgate da
cultura yawanawá —, Putanny começou a revolucionar a aldeia, ao lado de
Hushahu. Além dos tratamentos medicinais, como os banhos de argila e de ervas,
elas renovaram rituais de sua cultura.
— Os cantos ganharam
outra dimensão e potência, que recebemos através da medicina e dos sonhos
durante o nosso processo. Começamos a cantar com outra voz. Quando apresentei a
dança que recebi, livre e completamente diferente da roda tradicional, torceram
o nariz, mas depois acabaram se encantando — conta. — Até aquele momento,
nossos rituais eram escuros, todo mundo ficava sentado. Hoje, eles são alegres,
misturam mulheres criança... Isso uniu a gente. E se refletiu nas crianças e
nos jovens. Houve um empoderamento geral.
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