Ed Dohrin, um médico do Arizona, sonhou a
vida inteira em chegar ao pico do monte Everest . Há alguns dias, quando
finalmente alcançou o cume da montanha, ficou chocado com o que viu.
Alpinistas se empurravam e tiravam selfies
espremidos. A parte plana do pico, que Dohrin estima ter o tamanho de duas
mesas de pingue-pongue, estava lotada com 15 ou 20 pessoas. Para chegar até lá,
ele precisou esperar horas em uma fila, jaquetas cortavento uma atrás da outra,
no torso congelado de uma montanha a milhares de metros de altura.
No caminho, precisou até passar pelo corpo
de uma mulher que havia acabado de morrer.
— Foi assustador — disse o médico, por
telefone, de Katmandu, no Nepal, onde descansava em um hotel. — Era como um
zoológico.
Esta foi uma das temporadas com o maior
número de mortes no Everest, com pelo menos 11 vítimas fatais. Algumas dessas
vidas, contudo, poderiam ter sido salvas.
Desta vez, o problema não está em
avalanches, nevascas ou ventos fortes. Alpinistas veteranos e especialistas da
indústria culpam o grande número de pessoas no monte e, em particular, os
vários montanhistas inexperientes.
Empresas de turismo de aventura estão
levando para a montanha alpinistas sem prática que representam um risco para
todos na região. O governo nepalês, afeito aos dólares que arrecada com o
Everest, emitiu mais permissões do que a área é capaz de suportar com
segurança, afirmam escaladores veteranos.
Outra razão é a atração incomparável que a
montanha mais alta do mundo exerce sobre os aventureiros. Isso sem falar que o
Nepal, um dos países mais pobres da Ásia e ponto de partida de maior parte das
expedições, tem um longo histórico de regulação fraca, má administração e
corrupção.
O resultado é um cenário lotado e
desordenado a 8.848 metros de altura. Nessa altitude, um atraso de horas — ou
dias — pode ser a diferença entre vida e morte.
Para chegar ao pico, alpinistas deixam pelo
caminho todo o equipamento desnecessário e levam consigo um número contado de
cilindros de oxigênio para chegar ao topo e, em seguida, descer. Em um local
tão alto, é difícil até pensar, dizem os aventureiros.
De acordo com sherpas (guias) e alpinistas,
algumas das mortes deste ano foram causadas por pessoas que ficaram presas nas
longas filas nos últimos 300 metros da escalada — o engarrafamento dificulta a
subida e descida suficientemente rápidas para reabastecer o estoque de
oxigênio. As outras vítimas não tinham treinamento suficiente para estar na
montanha.
Alguns escaladores não sabiam nem colocar
um par de crampons , peça com várias pontas que é presa no solado da bota e
permite a locomoção no gelo.
O Nepal não tem regras bem definidas sobre
quem pode escalar o Everest. Segundo alpinistas veteranos, a falta de regulação
é uma receita para o desastre.
— Você deve se qualificar para competir no
Ironman. Você deve se qualificar para correr na maratona de Nova York — disse
Alan Arnette, um conhecido alpinista e cronista do Everest. — Mas você não
precisa se qualificar para escalar a montanha mais alta do mundo? O que está
errado neste cenário?
Comercialização do Everest
A última vez que tantas pessoas morreram na
montanha foi em 2015, durante uma avalanche.
No ano passado, jornais, escaladores
veteranos e seguradoras expuseram uma conspiração de guias, empresas de
helicóptero e hospitais para fraudar milhões de dólares de seguradoras por meio
da retirada de pessoas que apresentassem pequenos sinais de mal-estar causado
pela altitude.
Escaladores reclamam de assaltos e pilhas
de lixo na montanha. No início do ano, investigadores do governo nepalês
descobriram diversos problemas com os cilindros de oxigênio utilizados pelos
alpinistas. Segundo os aventureiros, equipamentos explodiam, apresentavam
sinais de vazamento e eram abastecidos no mercado negro.
Apesar de reclamações sobre falhas de
segurança, neste ano o governo do Nepal emitiu um recorde de 381 autorizações,
parte de um grande esforço para comercializar a montanha. Alpinistas afirmam
que o número de licenças cresce anualmente e que os engarrafamentos no Everest
estão piores do que nunca.
— Isso não vai melhorar — disse Lukas
Furtenbach, guia que recentemente transferiu seus alpinistas para o lado chinês
do monte devido à lotação no Nepal e ao aumento de aventureiros inexperientes.
— Há muita corrupção no governo do Nepal.
Funcionários nepaleses negaram qualquer
erro e disseram que as companhias que coordenam as escaladas são as
responsáveis pela segurança na montanha.
A aventura até o topo é definida pelas condições
climáticas. Maio é o melhor mês do ano para realizar a escalada, mas há apenas
alguns dias suficientemente claros e com ventos adequados para tentar chegar ao
cume.
Um dos problemas mais críticos neste ano,
segundo alpinistas experientes, é o grande número de pessoas tentando chegar
simultaneamente ao pico. Como não há nenhum controle do governo sobre o tráfego
na montanha, a tarefa de decidir quando os grupos deverão tentar a escalada
final fica sob responsabilidade das companhias de turismo de aventura.
Os próprios alpinistas, experientes ou não,
geralmente ficam tão focados em conquistar o pico que continuam a subir mesmo
se percebem o aumento dos riscos.
Há algumas décadas, as pessoas que
escalavam o Everest eram, majoritariamente, montanhistas com ampla experiência
dispostos a pagar muito dinheiro. Nos últimos anos, montanhistas experientes
culpam companhias mais baratas, localizadas em pequenas lojas em Katmandu, e
até empresas estrangeiras, que cobram valores mais altos, de não darem
prioridade à segurança. Esses grupos, que ingressaram há pouco tempo no
mercado, oferecem pacotes para levar qualquer um ao topo do Everest.
Ocasionalmente, essas expedições vão no
caminho oposto ao esperado.
De acordo com entrevistas com vários
alpinistas, conforme as expedições se aproximam do cume, as pressões —
psicológicas e do ar — aumentam e
algumas pessoas perdem o controle.
Fatima Deryan, uma experiente montanhista
libanesa, estava tentando chegar ao topo do Everest recentemente, quando
alpinistas menos experientes começaram a passar mal na sua frente. Em uma
temperatura de -30 graus Celsius, os cilindros de oxigênio estavam chegando ao
fim e cerca de 150 pessoas estavam agrupadas, presas à mesma linha de
segurança.
— Muitas pessoas começam a entrar em
pânico, preocupando-se apenas com si mesmas — e ninguém se preocupa com aqueles
que estão passando mal — disse Deryan. — É uma questão ética. Todos nós estamos
no oxigênio. Você acaba concluindo que parar para ajudar é uma sentença de
morte.
Deryan ofereceu ajuda a algumas pessoas que
não estavam bem, ela disse, mas depois concluiu que estava colocando si mesma
em risco e continuou sua escalada até o pico, a 8.848 metros de altura. Na
descida, teve que, novamente, enfrentar as multidões.
— Foi terrível — ela disse.